domingo, 26 de junho de 2011

“Vadias sim.Vazias não”. Por uma marcha feminista, política e emancipatória.



Sempre digo: a luta feminista é uma luta, quase sempre, sem aliados. As feministas e o feminismo carregam um fardo repleto de lugares comuns: “ as feministas são aborteiras”, “ as feministas são mal-amadas”, “as feministas não se depilam”, “as feministas são estranhas”, “as feministas são aquelas que ficam pra titia”, “as feministas sempre acabam sozinhas”, e etc. O fato de mulheres estarem lutando de forma organizada por uma sociedade mais justa sempre foi encarado com estranhamento, visto que o papel das mulheres na sociedade machista é de manter as convenções e não propor acabar com elas, ainda que mulheres que se revoltaram sempre foi uma tônica na história, por mais que tentem obscurecer esse fato. 

Os maiores motins insurgidos contra a expansão violenta da revolução industrial na inglaterra ,por exemplo,foram organizados por mulheres, embora esta parte da historia nunca seja contada. As feministas sempre estiveram à frente de movimentos operarios e de operarias, fazendo greves, paralisações, apresentando uma pauta de revindicações. Foram as operarias russas que em 1917, organizaram uma serie de ações ofensivas que desencadearam a revolução de outubro, uma das revoluções mais importantes do século XX. Como disse Trotsky:  " 23 de fevereiro ( 8 de março) , era o dia internacional das mulheres estava programado atos, encontros etc. Mas não imaginávamos que este "dia das mulheres" viria a inaugurar a revolução.”

O que queremos dizer é que a luta feminista sempre apresentou um projeto de transformaçao da sociedade, inserindo-se em movimentos historicos diversos, afinadas com ideias socialistas e de emancipação. As feministas sempre entenderam que o feminismo só faria sentido em uma nova sociedade: sem opressões, sem explorações, sem o império do patriarcado e do capital, os dois aliados inimigos da luta feminista. Sim, o feminismo nunca foi uma luta cor-de-rosa, feita por mulheres frageis e feminilizadas em busca de uma identidade pra chamar de sua. O feminismo, historicamente, sempre foi uma luta radical, sempre se propôs a discutir um novo mundo, sempre teve a ousadia do protagonismo politico

Mesmo endurecidas pela história, nunca perdemos a ternura. Nossas marchas sempre foram repletas de cores, nossos cantos repletos de amor e solidariedade. No entanto, marchamos sempre solitárias, nossa luta nunca teve muita visibilidade na midia, nunca teve muita importancia na agenda dos parlamentares, as feministas nunca foram muito populares e por isso mesmo nossa luta precisa ser ainda mais dedicada, ainda mais criativa.

A marcha das vadias, ao contrario, vem obtendo um alcance fantastico. Iniciada no Canadá, por conta da indignação de centenas de mulheres atingidas e mobilizadas pela forma mais radical de violencia contra mulher, o estupro, e suas formas de legitimação, a marcha das vadias correu o mundo e felizmente chegou ao Brasil com muita força. É bom que a denominação de “marcha” tenha vingado, porque ela confere um sentido público e manifesto à nossa luta, um caminhar indignado que nos une rumo à um horizonte comum: Qual é o horizonte comum mesmo, vadias?

A marcha das vadias trouxe algumas lições para o movimento feminista: é preciso mais ousadia, criatividade, inspiração, irreverencia, precisamos estar sempre nos reinventando para que o movimento tenha uma renovação permanente. Surpreendentemente a marcha das vadias vem mobilizando a midia, diversos setores da sociedade, partidos de esquerda, partidos liberais, feministas e não-feministas, homens. Bom que seja assim, um movimento que se propoe a mudar a sociedade não pode se esconder dela e a pauta contra a moralidade machista que justifica as praticas de violencia contra a mulher é uma pauta que precisa ser encarada com mais afinco mesmo.

No entanto, e é por conta deste entanto que estamos aqui, pensamos que a marcha das vadias precisa ser uma marcha que caminhe em direção ao feminismo, à emancipação e a um horizonte comum. É preciso que nos questionemos : não queremos apenas marchar, queremos marchar para algum lugar e este lugar precisa ser uma sociedade radicalmente diferente. A marcha das vadias precisa ser a marcha das vadias indignadas, das vadias inconformadas com a sociedade capitalista e todas as opressões que ela produz, precisa ser a marcha das feministas que propõem um projeto politico emancipatorio, no entanto, ainda assim um projeto politico que seja nosso. Precisamos lutar para que a marcha das vadias seja um movimento politico e não uma propaganda do ethos da mulher "moderninha" que é muito bem apropriado e cômodo para aqueles que querem perpetuar a dominação. A luta pela autonomia dos nossos corpos é uma luta árdua: ela desafia dogmas religiosos, desafia padrões estéticos, desafia a dominação masculina.

As vadias na vanguarda, sempre. Não podemos abrir mão de radicalizar a luta por um outro mundo. Vadias, putas, mas sobretudo: livres.


domingo, 5 de junho de 2011

Pela liberdade de ter uma calça jeans !

Eu sei. Os stalinistas mais ortodoxos gostam de dizer que o feminismo é uma pauta liberal que só serve aos interesses do capital e obscurece a luta de classes. Os marxistas mais "classicos" dizem que os movimentos sociais pautados em lutas por reconhecimento e identidade , na verdade, são  lutas que só atrapalham o processo de formação da identidade de classe. Os pós-modernos dizem que não há gênero, nem luta, nem política. Os liberais dizem que nossa luta é legal e deve ser respeitada, mas continuam nos dando os piores salarios, precarizando nossos contratos e nos impedindo de ocupar posições de decisão. A luta feminista é uma luta árdua, quase sem aliados. 

Pois bem, hoje quero travar uma luta que aparentemente é superficial por se tratar de uma luta dentro dos marcos do consumismo moderno.  Para aqueles críticos que acreditam na pureza do gosto e do senso estetico, para os estetas que defendem a transcedencia contra os problemas mundanos do mercado – ei, escola de Frankfurt -  gritemos: Quem não desce pro mundo, não faz revolução.

Então nós descemos. Vamos ao shopping, este espaço paradigmatico da sociedade moderna de consumo onde todas as coisas se colocam acessiveis e disponiveis para atender nossos desejos, desde que você tenha condições materiais para tê-las, nem que para isso você tenha que parcelar e parcelar sua compra, uma mágica matematica que te torna mais rico inexplicavelmente. Este espaço da liberdade de mercado, se olharmos de perto, diriamos: tão livre quanto é a liberdade que o trabalhador possui de vender sua força de trabalho. ( Essa foi para os classico! )

No entanto, nada é tão simples quanto parece ser quando se quer comprar uma calça jeans. Sim, o jeans, esse simbolo do american way of life, o mais democratico dos signos da moda, o jeans que surge como o material fundamental dos uniformes de mineradores do século XIX e hoje é esse misterioso elemento do vestuario que pode ser simples e sofisticado ao mesmo tempo, que pode custar vinte ou oitocentos reais, dependendo do ponto de vista.

Era só uma calça jeans. Dessas que você pode usar para trabalhar ou ir para a faculdade ou ir à um restaurante chique no leblon ou ir ao médico, à farmacia. Levi Strauss diria que o jeans é um significante flutuante, que não possui um significado fixo, mas que tem um potencial significativo enorme e variado, nunca se estabiliza, está sempre disponível para novos sentidos. Pois bem, era só uma calça jeans, não era pra ser uma odisséia semiótica.

Primeiro porque descubro ser especialmente dificil encontrar uma peça destas que simplesmente seja simples. Sem brilhos, sem rasgos, sem etiquetas prateadas, por favor, queria um jeans com cor de jeans, sem detalhes sórdidos, pode ser ? Dificil.  O mais dificil ainda estava por vir: descubro que estamos em plena ditadura cruel e sanguinaria da calça skinny. Sim, aquela calça mais justa do que a roupa de um mergulhador, que alias fica muito bem em mulheres que possuem uma composição equilibrada de bunda, coxas e panturrilhas, digo, que nenhum destes elementos seja dominante do ponto de vista dimensional. Não conheço muitas mulheres destas, a maioria delas é  adepta à estetica surrelaista ou expressionista do ponto de vista da forma, ou seja : formas perfeitas é coisa do passado. Mulheres de vanguarda, eu diria.  

Passando pelo imperio quase invencivel dos detalhes, pela ditadura quase fascista das skinnys, chegamos então ao problema do tamanho. O que uma loja quer dizer quando expoe em seu mostruário todas as calças no tamanho 36? Eu sei o que ela quer dizer : Se você não é suficientemente magra para entrar nessas calças e então não merece estar aqui ocupando esse espaço. Se você não é suficientemente esbelta e elegante para entrar em uma calça jeans de numero trinta e pouco, então, você não é digna, não merece respeito.

Olha, vou dizer : vocês que acreditaram na liberdade do mercado liberal, nunca foram comprar uma calça jeans. O mercado não é esse oásis onde tudo pode desde que se tenha dinheiro. Não. Ele é mau. Ele nos quer magras. Ele nos quer 38.  Ele nos convence de que é preciso usar uma calça terrivelmente apertada e de que é preciso pagar muito caro pra ter a bexiga pressionada. Chegou o tempo de queimarmos calças jeans nas praças. Logo o jeans, um dominio livre da ditadura dos padrões de beleza, era nosso oásis, transgressor e ao mesmo tempo honestamente basico. O capital não tem limites. Já chega pra mim !

Pelo direito de vestir calças jeans com liberdade. Pelo direito de não pagar três digitos por isso. Pelo direito de possuir formas de picasso contra o fascismo das formas perfeitas !