domingo, 27 de março de 2011

Apocalipse. Capítulo 17.

Trecho bíblico mobilizado no filme “Metrópolis” ( 1927 ) de Fritz Lang. Maria costumava ser uma santa cândida e maternal que garantia a paz entre trabalhadores e capital, no entanto, é reproduzida em um corpo cibernético e com uma nova missão: Babilônica , Maria agora profetizava a revolução contra o capital, Maria liderava a insurreição. Um pouco de Maria, a bruxa revolucionária, para o que resta de nós. Uma mulher cheia de blasfêmias.

Veio um dos sete anjos que tinham as sete taças, e falou comigo, dizendo: Vem, mostrar-te-ei a condenação da grande prostituta que está assentada sobre muitas águas;
2 com a qual se prostituíram os reis da terra; e os que habitam sobre a terra se embriagaram com o vinho da sua prostituição.
3 Então ele me levou em espírito a um deserto; e vi uma mulher montada numa besta cor de escarlata, que estava cheia de nomes de blasfêmia, e que tinha sete cabeças e dez chifres.
4 A mulher estava vestida de púrpura e de escarlata, e adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas; e tinha na mão um cálice de ouro, cheio das abominações, e da imundícia da prostituição;
5 e na sua fronte estava escrito um nome simbólico: A grande Babilônia, a mãe das prostituições e das abominações da terra.
6 E vi que a mulher estava embriagada com o sangue dos santos e com o sangue dos mártires de Jesus. Quando a vi, maravilhei-me com grande admiração.
7 Ao que o anjo me disse: Por que te admiraste? Eu te direi o mistério da mulher, e da besta que a leva, a qual tem sete cabeças e dez chifres.

              (....) E a mulher que viste é a grande cidade que reina sobre os reis da terra.

Alana Moraes.
Blas-fêmea.

sábado, 26 de março de 2011

Corpos de aluguel num contrato do Patriarcado



Os corpos dóceis e disciplinados constantemente cumprindo o rigor civilizatório, não mais sentem, a muito não se sentem. Como objeto da modernidade encontra-se fragmentado, com partes individualizadas e racionalizadas cada qual na sua prateleira.        

No aprimoramento de discursos e métodos, essa mesma modernidade apartou corpo e alma, e vivemos desde então, com o corpo partido e sem sentido, nomeado e significado segundo a construção, legitimação e querer do outro.

O discurso científico destitui as corporalidades, os corpos vivos e vividos. Um corpo é então, um conjunto de partes, do ser biológico, naturalizado para uso e fruto da medicina. Nada sabemos desse corpo, ele apenas nos pertence juridicamente, mas, as suas práticas estão completamente calcadas nas verdades cartesianas e no desejo do outro.

Um corpo de mulher partido, com seus Fenômenos rotulados, a todo o momento, resignificado. Temos um corpo que é peso, carregamos, mas não o sentimos nosso, foi alguém que nos deu, é alguém que decide como ele deve ser e o que devemos e podemos fazer com ele. Acredito que vivemos sob a edge de normas concretas para o uso do corpo. Um manual de instrução do corpo.

Para economia das trocas simbólicas, esse despedaçar de corpos, interessa ao passo que as corporalidades são mortas e surgem as dinâmicas de corpolatrias. Com aparatos técnico-científico, passamos então, a criar a noção de propriedade dos corpos a partir de coisas que adereçamos a ele, o brinco, a roupa, o sapato, a maquiagem etc. Mais que isso vivemos o advento das modificações corporais, a bunda, os peitos, a barriga, as drogas emagrecedoras, os cabelos lisos, a cor dos olhos. Pronto! Um cyborgue; que é meu porque eu comprei.

Mas, bom seria se análise completa da propriedade dos corpos fosse assim tão linear. Infelizmente não é. Se quem construiu esses discursos que ganha vida na experiência corporal foram machos, acadêmicos e cientistas, não por acaso, esse mesmo discurso serve ao modelo capitalista, por compor um pensamento hegemônico dos modos de produção moderna. Porém, não podemos esquecer também, que outras formas de sentir o corpo, e, portanto de ser o corpo, resistem. Não pode se desconsiderar organizações sociais onde esse discurso intelectualizado ou o saber científico ressona menos. E, muito embora, pareça inerente à existência das mulheres, a auto-despropriação do corpo, há resistências.

Lembro do fenômeno das funkeiras, no Rio de Janeiro, que fazem o culto ao corpo, mas, preenchido de sentidos, concepções e até padrões estéticos distintos dos hegemônicos em outros grupos sociais. E me parece que é justamente o sentir deste corpo que cria condição de igualdade entre fêmeas e machos nesse ambiente, descrita, por exemplo, na música da cantora funkeira Priscila Nocetti.

hoje eu tô soltinha, mas não estou sozinha, fico com quem eu quero, porquê a vida e minha ... E eu requebro, rebolo ,desço até o chão. Dou mole provoco mais não sou sua não .” (Priscila Nocetti).

E talvez, em outros espaços sociais não “rebolamos, não descemos” porque sequer estamos autorizadas a isso. Lembro também das meninas e mulheres, às vezes até idosas; de uma comunidade aqui perto da minha casa, que nos dias de calor andam de soutien e se lavam em mangueiras, em rua pública, numa correspondência direta à necessidade do corpo e pouco “racional”. Ou seja, acredito que as práticas corporais são distintas de acordo com a forma como sentimos o corpo, e quanto mais susceptível ao discurso intelectual, moral e científico, mais inquilinas seremos deste corpo.   

O pensamento moderno serve à estrutura. O debate não é apenas estrutural, é preciso fazer a cruzada das subjetividades para compreender a real necessidade da reintegração de posse do corpo. As outras demandas decorrem disso.

Mirani Barros – Nutricionista

domingo, 20 de março de 2011

Pela Blas-Fêmea de todos os manifestos



Eis que das fuligens das fogueiras, das fogueiras de todos os séculos , criaturas cuja ausência é o Y, ou o falo , para os modernos, na aparência de ciborgues, construídas a partir de partes etéreas, porém com a força da história, partes de lama e de caos, partes de sangue daquelas que lutaram, parte de desejo daquelas que desejaram. Criaturas fêmeas porém não feminilizadas, não domesticadas , comandantes da insurgência que está por vir , e virá , contra o império dos falos poderosos, porém vazios de imaginação e performatividade. Conspiram : Do que vale o falo se não tens a imaginação para bruxarias ? Do que valem suas armas se elas não sabem nada sobre antropofagia da carne. Vejam vocês: Canibalizamos sua essência para dessencializar a ditadura da dominação masculina. Não temos essência, queremos dessacralizar a prisão da mulher maternal, doce, soberana em sua submissão cotidiana. Somos ardidas. Somos ácidas.

Sangramos, não percebem ? Nosso sangue torna amarga nossa busca pela emancipação. Sintam o gosto amargo da nossa não condolência. Não fomos derrotadas. Somos cavaleiras do novo apocalipse: um mundo em que mulheres serão gente, enfim. Um mundo onde o par de cromossomos não signifique insuficiências nem faltas. Seguiremos marchando, em uma marcha futurista e cibernética, cheia de cores, em uma marcha infalivel, impavida e esotérica porque é preciso força contra o racionalismo inventado pelos machos sub-criativos.

É tempo de tempestade ácida.